Cirurgia sem corte corrige defeito congênito em feto
CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Faltam ainda dois meses para Igor nascer, mas o menino de 1 kg e 35 cm
já foi operado dentro do útero para corrigir um defeito congênito na
coluna vertebral.
Ele é o primeiro bebê da América Latina a ser submetido a uma endoscopia
fetal para tratar a mielomeningocele, também conhecida como espinha
bífida, uma malformação cuja principal sequela é a hidrocefalia (acúmulo
de água no cérebro).
O problema afeta 3.000 bebês por ano no Brasil.
Igor foi operado por meio de três pequenos "furos" na barriga da mãe,
por onde entraram os instrumentos cirúrgicos e a câmera de vídeo. Não
houve corte.
"Ele pula sem parar aqui dentro. Nem parece que passou por uma cirurgia", diz a mãe, Oladiane Werner, 33.
Karime Xavier/Folhapress |
Oladiane Werner, que fez uma cirurgia intra-uterina há duas semanas parar tratar malformação no bebê que espera, e a médica Denise Pedreira |
A técnica foi desenvolvida na Alemanha em 2009. Desde então, 70 bebês
foram operados por lá. Mas o próprio grupo que criou o método diz que
ainda é preciso mais tempo e aprimoramento antes de adotá-lo em larga
escala.
A cirurgia de Igor aconteceu no Hospital Samaritano (SP) há duas
semanas. A mãe está agora na 29ª semana de gestação e tem de manter
repouso até o bebê nascer.
O defeito congênito causa um fechamento incompleto da coluna, e a medula
fica exposta ao líquido amniótico. Isso lesiona os nervos.
Daí a necessidade de operar a criança antes do nascimento. Estudos
demonstraram que a cirurgia fetal reduz pela metade os riscos de
hidrocefalia em comparação à feita após o bebê nascer. Mas a operação
aumenta as chances de prematuridade.
COMPARAÇÃO
A técnica consagrada para corrigir o defeito antes do nascimento é a
"cirurgia a céu aberto". No Brasil, o método é usado há uma década.
A principal diferença entre a nova cirurgia endoscópica e a "aberta" é
que esta necessita de um corte de 7 cm a 10 cm na barriga e no útero.
Segundo a médica Denise Pedreira, especializada em medicina fetal
endoscópica e responsável pela cirurgia de Igor, como deixa uma cicatriz
no útero, a cirurgia aberta traz mais riscos de ruptura uterina tanto
na gestação em curso como nas seguintes.
"A gestante também tem um risco aumentado de desenvolver edema pulmonar
por causa das altas doses de medicação que recebe para manter o útero
relaxado."
Na sua opinião, a cirurgia endoscópica é menos arriscada. "Ela abre uma nova fronteira de tratamento."
O médico Antonio Moron, professor titular do Departamento de Obstetrícia
da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), discorda que na
cirurgia aberta há mais riscos. "Não há estudo comparativo que demonstre
isso."
Precursor da cirurgia aberta no Brasil, Moron diz que a técnica
endoscópica ainda precisa demonstrar sua segurança e eficácia no
tratamento da mielomeningocele.
Ele afirma, no entanto, que todo avanço é bem-vindo. "Temos que buscar o melhor para a mãe e para o bebê."
Para Renato Sá, presidente da comissão de medicina fetal da Febrasgo
(federação das sociedades de ginecologia e obstetrícia), a cirurgia
fetal endoscópica abrirá um leque de opções de tratamento de outras
anomalias fetais.
"Vai preservar a saúde e a história reprodutiva da mãe."
As causas que levam à mielomeningocele (espinha bífida) não estão
totalmente esclarecidas, mas sabe-se que o ácido fólico, uma vitamina do
complexo B, exerce um fator de proteção sobre o sistema nervoso em
formação.
O uso do suplemento ao menos 30 dias antes do início da gestação,
continuando até o terceiro mês, reduz em 75% a ocorrência dos defeitos
de fechamento do tubo neural (a região do embrião que vai dar origem ao
sistema nervoso central). Mas poucas mulheres tomam a vitamina antes da
gravidez.
Editoria de arte/Folhapress | ||
Fonte: Folha de São Paulo - 10 de março de 2013
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