Abelardo, do Cremeb, e Vieira Lopes, da ABM, defendem uma saúde de qualidade
Médicos condenam importação de estrangeiros para o setor de saúde
“O governo brasileiro não chamou as entidades médicas para conversar. Os médicos são a parte mais interessada e o programa Mais Médicos sequer nos ouviu. Entendo que o problema da saúde no Brasil é uma discussão mais ampla. O programa deveria se chamar “Mais Saúde”. Um médico, se não tiver uma equipe lhe assessorando não tem condições de trabalhar. Não faltam apenas médicos, mas saúde de qualidade para o povo brasileiro”.
Com esse pensamento o presidente da Associação Bahiana de Medicina, ABM, Antonio Carlos Vieira Lopes, sintetizou um problema que ganhou as ruas em junho passado por conta dos protestos do Movimento Acorda Brasil.
As discussões da terceira edição do projeto “Repensar Brasil”, do jornal Tribuna da Bahia trouxeram a saúde como foco principal.
Antonio Carlos Vieira Lopes chamou o programa do governo de ação temporária. “Havia o Saúde da Família que permitia marcação via telefone, mas ele não foi planejado. Encontramos muitos problemas. Há lugares remotos no Brasil que necessitam de médicos, mas a situação que é vivenciada pelo profissional é precária. Ele está à mercê das Prefeituras. Não tem como se estabelecer junto com suas famílias nos interiores já que o contrato firmado com os prefeitos não lhes dá segurança. Não é fechado tempo de contrato. Isso tudo impede a fixação dos médicos no interior. O médico não tem salário, mas uma espécie de bolsa”, declara.
Lopes alerta para a necessidade da criação de uma carreira de médico de estado a semelhança da carreira de direito. “Seria oportuno criar uma carreira nacional, com dedicação exclusiva de 40 horas. Há intenção do governo federal. Entretanto entendemos que não faltam médicos, mas insegurança nas relações de trabalho e até mesmo relatos de ameaças de morte. É comum reclamações de invasões a hospitais e postos de saúde”, avisa.
Ele considera uma má divisão dos profissionais pelo país. “Não somos contra a vinda de médicos do exterior desde que passem por provas. Quem hoje frequenta uma escola cubana? O filho de um sindicalista. A carga horária das faculdades de medicina de Cuba são menores que das faculdades brasileiras. Há uma faculdade em Cochabamba, na Bolívia, que não é reconhecida. Há a de La Paz, mas o governo brasileiro prioriza a de Cochabamba que não tem um bom curso. Não somos contra a vinda de médicos desde que eles sejam qualificados e sejam submetidos a provas, inclusive de proficiência em língua portuguesa”, diz.
O presidente da ABM faz um desabafo: “Estão nos chamando de mercantilistas, corporativistas e que buscamos reserva de mercado. Isso não é verdade. Estamos defendendo a moralidade na saúde pública brasileira. O sentido de termos ido para as ruas foi para defendermos a saúde pública de qualidade”. Vieira Lopes comentou que o governo federal pretende formar até 2020 cerca de 60 mil médicos no país. “São quase 11 mil médicos a mais por ano, com mais 100 cursos de medicina sendo abertos. E a qualidade do ensino, como fica ?”, questiona.
Ele diz que apenas 9,7% dos médicos brasileiros que estudaram no exterior são aprovados no programa Revalida. “Os cursos de medicina do exterior são muito diferentes daqueles do Brasil. Além da carga horária, o conteúdo programático, aulas teóricas e práticas se distanciam. Existem diferenças gritantes. Recentemente houve um projeto de aplicação do Revalida nos estudantes de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e 70% dos alunos foram aprovados”. O conselheiro do Cremeb, Otavio Marambaia, chama o discurso do governo federal de contraditório. “Enquanto ele abre 30 escolas de medicina no país vai a público reclamar da qualidade de ensino delas. Agora o Ministro da Saúde Alexandre Padilha chama de balcão de negócios.
" Infelizmente vende-se aquilo que os marqueteiros dizem"
O governo fez um paradoxo: criou faculdades e diz que o curso foi de baixa qualidade”, destaca. Marambaia critica a postura irascível do governo. “Sempre se culpa o médico pelos problemas da saúde no país. O governo cria o problema e a culpa é dos médicos. Há também o Provab, programa de valorização da Atenção Básica, do governo federal. Esse é, sem dúvida, o governo da Bolsa. O médico recém-formado que faz o curso, perde o incentivo de vir a se especializar no futuro. Esse governo infelizmente vende aquilo que os marqueteiros dizem. Precisamos de um programa de saúde pública que contemple as reais necessidade do povo brasileiro. A Nação ainda é jovem, contudo ela irá envelhecer e os problemas tendem a se acirrarem ainda mais”.
O presidente do Conselho Regional de Medicina da Bahia, Cremeb, José Abelardo Garcia de Meneses, alertou para a quantidade de médicos por habitante. “No Reino Unido, país que o Ministério da Saúde sempre compara, são 2,50 médicos por cada mil habitantes. Em 2011, no Brasil, havia 1,95 e agora estima-se que sejam 2 por cada mil habitantes. A projeção de crescimento é que sejam atingidos 2,41 até 2020 e esse número ocorrerá independente do programa Mais Médicos. Outra situação delicada envolve que os médicos brasileiros têm em média três postos de trabalho, ao passo que no Reino Unido e outros países desenvolvidos a dedicação é exclusiva. O estado da Bahia é o que aparece com a pior relação”, esclarece.
Ele também informa que a Bahia não oferece incentivo para que os médicos trabalhem no setor público. “Nos anos 90, no governo Paulo Souto, foi deflagrado um programa de demissão voluntária e os médicos demitidos seriam recontratados via cooperativas. O Tribunal Superior do Trabalho julgou isso ilegal. Somente duas décadas depois foi feito o concurso público com 680 vagas. Esse número não atende nem as necessidades do Hospital Roberto Santos. Outra situação desagradável era que o salário base era próximo do mínimo. Aliado ao baixo salário, insegurança nas unidades de saúde pública isso se torna o caos. As entidades médicas na ocasião se manifestaram e recorreram ao Ministério Público que ajuizou ação civil pública obrigando o estado a contratar mais de 2 mil médicos que haviam sido aprovados em concurso”, pontua.
Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos
O presidente do Cremeb, José Abelardo Garcia de Meneses, chamou o Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos, PCCV, de uma luta dos trabalhadores. “O plano foi aplicado em julho”, frisa e acrescenta: “Num período de sete anos o Brasil perdeu 42 mil leitos do SUS e a Bahia perdeu 1.631 leitos. O governo baiano construiu hospitais como o Santo Antônio de Jesus, mas convém explicar que o SUS paga R$ 5,45 por um exame de papa Nicolau. Valores como esse são desestímulo para manutenção de atendimento no serviço público. A constituição brasileira comete um equívoco. No artigo 196, assegura que a saúde é direito de todos e dever do Estado, mas o erro está em não dizer que compete ao Estado prover recursos para a manutenção do sistema de saúde. A partir de uma manobra do governo federal e do Congresso, a União destina apenas 4,5% do orçamento para a saúde. O Brasil gasta R$ 1,95 por paciente, perfazendo US$ 943 per capta contra US$ 1.900 da Argentina. No Brasil a participação do estado na saúde é 47% ao passo que a iniciativa privada 53%”, argumenta.
O corregedor do Cremeb, Marco Antônio Cardoso Almeida, relata alguns problemas que teve com médicos estrangeiros. “Uma médica boliviana realizou um procedimento errado com uma criança que veio a óbito. Acompanhei o caso de perto. Ela buscava revalidar o currículo e atuar aqui no país. Há uma imensa distância daquilo que eles aprendem nos países de origem para o que nós ensinamos aqui. Contamos com aulas práticas e grande número de aulas teóricas e isso faz a diferença”, declara.
O vice-presidente da ABM, Robson Moura, fez algumas observações em relação à presença de médicos estrangeiros no interior. “Quem vai pagar a conta de um médico mal preparado é a população carente. Não aceitamos que o governo nos ponha como vilões”, avalia. Ele ressalta que o programa “Mais Médicos” está sendo feito com olho nas eleições de 2014. “Fui surpreendido com os políticos que se comprometeram em votar contra o Ato Médico terem mudado seu voto em favor do projeto. O governo se dizia democrático e a favor do trabalhador, na prática está ocorrendo o contrário”.
Robson Moura lembrou que com o ex-ministro da saúde, José Temporão, havia diálogo entre a classe médica e o governo. “O ministro Padilha se mostra arrogante. Age como se o médico que fosse atuar no interior trabalhasse sozinho, sem a necessidade de contratação de uma equipe. É preciso se levar saúde para os rincões do país”, sintetiza.
O presidente do Cremeb, José Abelardo Garcia de Meneses, reclamou da postura do governo da Bahia em relação à saúde pública estadual. “O governo vem requentando a notícia sobre as inaugurações dos hospitais na mídia. A exceção do Hospital do Subúrbio, que foi privatizado, os demais enfrentam problemas. Esse governo se elegeu pregando a desprivatização, no entanto fizeram o oposto quando chegaram ao poder. Os profissionais que trabalham no Hospital do Subúrbio, por exemplo, são contratados por diferentes cooperativas e verificamos para uma mesma função distorções salariais chamativas”, informa.
"É vergonhoso o governo privatizar hospitais"
Na visão de Marco Antonio Almeida, é vergonhoso ver o governo privatizar os hospitais. “Ele aplica dinheiro público na construção dos hospitais e a iniciativa privada é que lucra”, desabafa, O presidente do Cremeb, José Abelardo Meneses, fez menção ao que chama de aberração: a entrada de Salvador no programa “Mais Médicos”.
“Salvador tem 6,40 médicos por cada mil habitantes e entrou. Verificamos ainda que muitos dos profissionais que se inscreveram escolheram as cidades litorâneas e aquelas mais próximas de suas residências para atuarem. Estamos ainda verificando que há prefeitos no país que aguardam a vinda dos médicos do programa para demitirem os profissionais que atuam em seus municípios para desonerar a folha. Há uma declaração de um prefeito do interior do Paraná avisando que para cada médico que vier prestar serviço em seu município ele irá demitir os que hoje se encontram trabalhando”, explica.
Meneses chama atenção para possíveis soluções levantadas por entidades médicas. “Além da criação de uma carreira de estado, o fortalecimento das políticas do SUS e o financiamento de 10% da receita líquida da União para a Saúde. O vice-presidente da ABM, Robson Moura, lembrou um caso preocupante. “Ano passado houve devolução de 17% do orçamento previsto para a Bahia por falta de projetos na área da saúde. Isso é exemplo claro de má gestão e descaso”, informa. Sobre o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, SAMU, Robson Moura diz que ele é importante, contudo foi deixado de lado o programa de Atenção Básica.
"Há problemas sérios na Saúde Suplementar"
O presidente do Cremeb, José Abelardo Garcia de Meneses, criticou a falta de fiscalização da Agência Nacional de Saúde, ANS, nos planos de saúde. “Há egressos que eram oriundos dos planos de saúde e hoje atuam na ANS. Há problemas bastante sérios ocorrendo na saúde suplementar. Em Salvador, por exemplo, a relação de leitos de maternidade é bem pior que no serviço publico. Tive casos de pacientes, que mesmo com planos de saúde, tiveram seus filhos em hospitais públicos”, informa.
Já o conselheiro do Cremeb, Otavio Marambaia, criticou a falta de pulso da Agência reguladora. “São comercializados planos a partir de R$ 50. Quem adquire esse plano está adquirindo ilusão. Hoje vemos um paciente levar dois meses para agendar consulta através de planos de saúde. Para o vice-presidente da ABM, Robson Moura, planos assim vendem aquilo que não tem. “Muitos pacientes tratam de casos que poderiam ser feitos em consultórios dentro de emergências de hospitais sobrecarregando ainda mais o sistema privado. Em relação a saúde suplementar não dá para tentar chegar a uma solução olhando apenas o lado dos planos de saúde. É preciso envolver médicos e pacientes nessa discussão”.
Outra situação diz respeito ao pagamento, por parte dos planos de saúde de R$ 20 a R$ 62 por consulta. “A Petrobras é a única que paga R$ 100 por consulta. Os valores praticados pelos demais planos de saúde não pagam os custos do profissional que se vê obrigado a realizar mais atendimentos”, cita.
O presidente da ABM, Antonio Carlos Vieira Lopes, disse que hoje em Salvador há dificuldades de encontrar pediatras que atendam planos de saúde. “Isso acontece devido a uma necessidade de mais tempo para atender o paciente e a baixa remuneração pelos planos”, esclarece. Ele lembra que algumas práticas, consideradas ilegais pela entidade são feitas por alguns médicos a exemplo da dupla cobrança. “Há médicos que atendem pelos planos de saúde e cobram valores extras nos procedimentos. Isso é considerado por nós como antiético e ilegal. Sabemos de um grande hospital particular aqui em Salvador que não conta com os serviços de um obstetra. Os planos de saúde não respeitam os honorários médicos, apesar de haver cláusula de reajuste nos contratos, simplesmente não o fazem”, diz.
As discussões, em formato de mesa-redonda seguida de um almoço assinado pelo Chef Ayrton, do São Jorge Botequim, na sede do jornal integram as comemorações dos 44 anos da TB que teve ainda as presenças do vice-presidente da ABM, Robson Moura, do diretor da ABM, César Amorim, o presidente do Conselho Regional de Medicina da Bahia, Cremeb, José Abelardo Garcia de Meneses, o conselheiro do Cremeb, Otavio Marambaia, o corregedor do Cremeb, Marco Antonio Cardoso Almeida e a assessora da entidade, Danile Rebouças. Pela Tribuna da Bahia, estavam presentes o diretor presidente Walter Pinheiro, o diretor de redação Paulo Roberto Sampaio, o diretor, Marcelo Sacramento, o secretário de Redação, Gerson Brasil, os editores Nelson Rocha, de Cidade, e Osvaldo Lyra, de Política, além da repórter de economia Alessandra Nascimento.
Fonte: Jornal Tribuna da Bahia do dia 26 de agosto de 2013
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