Modelos no computador permitem prever como as mudanças na estrutura das moléculas acontecem
Programas são usados no desenvolvimento de medicamentos e de células fotoelétricas, por exemplo
As pesquisas dos laureados com o Nobel de Química deste ano levaram o trabalho dos cientistas dessa área do tubo de ensaio para a tela do computador, como afirmaram os membros da Academia Real de Ciências Sueca durante o anúncio do prêmio, ontem de manhã.
O austríaco Martin Karplus, 83, da Universidade Harvard, o sul-africano Michael Levitt, 66, da Universidade Stanford, e o israelense Arieh Warshel, 72, da Universidade do Sul da Califórnia --os três têm cidadania americana-- trabalharam, desde os anos 70, na criação de simulações no computador que preveem como acontecem as reações químicas.
Essas simulações são necessárias para entender com detalhes a mecânica das reações químicas porque não é possível analisá-las de forma experimental: tudo acontece muito rápido no tubo de ensaio, então é preciso "parar o tempo" para estudar as transformações nas moléculas.
Antes do desenvolvimento das simulações, só era possível analisar a estrutura das moléculas antes e depois da reação química, mas não dava para "ver" o que acontecia durante esse processo.
Como explica Guilherme Menegon Arantes, professor do Instituto de Química da USP, as reações químicas são mudanças na estrutura dos elétrons das moléculas.
Saber o que está acontecendo durante esse processo é importante, por exemplo, para prever como um novo medicamento vai interagir com as proteínas do corpo.
Para estudar essas mudanças na estrutura das moléculas, é preciso usar a mecânica quântica, parte da física que lida com a dinâmica das partículas subatômicas.
O problema é que esses cálculos com base na mecânica quântica são tão complexos que fazer isso para um molécula grande, como uma proteína, era quase impossível. O poder computacional requerido por esses cálculos era grande demais. "Era preciso simplificar isso."
A solução encontrada pelo trio de ganhadores do Nobel foi usar a alta resolução da mecânica quântica só para a parte relevante da molécula, a região que está sendo envolvida na reação química.
Enquanto isso, os cálculos que se referem à parte "periférica" da molécula usam um método menos detalhado, que trata grupos de átomos como uma só unidade.
A academia de ciências sueca comparou o funcionamento dessas simulações a uma fotografia. No centro, onde está o rosto da pessoa retratada, é preciso ter alta resolução, um número grande de pixels para que se vejam os detalhes. Nos cantos da imagem, não é preciso usar tanta memória de computador para fazer o registro.
Essa combinação de alta e baixa resolução permite o estudo de moléculas grandes, como as enzimas, proteínas que regulam as reações químicas nos seres vivos.
"Pegamos a estrutura da proteína para saber por que ela faz o que faz e para usá-la para criar remédios ou, no meu caso, para satisfazer minha curiosidade!", disse Arieh Warshel, por telefone, em entrevista coletiva durante o anúncio do prêmio.
Os programas de computador criados por eles são usados pela indústria farmacêutica para desenvolver medicamentos e também para criar células fotoelétricas usadas no aproveitamento da energia solar, por exemplo.
O grupo de pesquisa de Menegon, na USP, usa as simulações para estudar como o nosso corpo quebra as moléculas de carboidratos para gerar energia e como são formados os radicais livres, responsáveis pelo processo de envelhecimento.
O trio laureado vai dividir o prêmio de US$ 1,25 milhão.
Karplus, que fez seu doutorado com o ganhador do Nobel Linus Pauling (1901-1994), afirmou a repórteres em Harvard que seu trabalho com computadores foi recebido com frieza por seus colegas cientistas nos anos 70.
"Pensavam que era perda de tempo." Para ele, a próxima geração deve ser mais corajosa e não acreditar sempre nos colegas quando dizem que algo não pode ser feito.
Fonte: Folha de São Paulo
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